domingo, 25 de abril de 2010

O direito de ser criança de Roberto


Hoje as palavras se misturam com as lágrimas e a tristeza com alegres lembranças. Roberto, uma criança de 12 anos com a experiência de vida de um adulto, se foi. Ele era uma criança de sorriso difícil, de poucas palavras, de uma expressão profunda e um olhar transparente. Não foi rápido nem fácil conquistá-lo, mas eu não desisti. Depois de anos, na festa do dia das crianças do ano passado (onde tiramos a foto acima), ganhei seu primeiro e verdadeiro abraço.

Roberto era uma das crianças que fazem parte do trabalho voluntário que desenvolvo com a comunidade da Favela Suvaco da Cobra em Barra de Jangada. Minha mãe coordena esse projeto há quase 19 anos e eu sou apenas uma das responsáveis pelas crianças.

Roberto era muito revoltado, seco e frio. A vida o fez assim. Antes de hoje, eu já havia chorado por causa dele uma vez. Em 2008, não lembro o mês, ele estava muito agressivo com os colegas, comigo e o chamei para conversar. Durante a conversa eu disse que o amava e ele quase me bateu. Ele disse que era impossível eu amá-lo. “Se meu pai e minha mãe não me amam, como você que nem me conhece direito me ama?”, disse ele com um olhar que partiu meu coração.

Naquele momento eu me dei conta que aquela criança nunca soubera o significado, o sentido da palavra amor. Ele me deixou sozinha e foi embora, parecia que eu havia dito algo ofensivo. Chorei em casa no colo da minha mãe e questionei a minha capacidade de lidar com crianças assim. Passei a semana pensando naquilo e prometi a mim mesma que não ia desistir.

No mês seguinte, assim que o vi, o puxei pelo braço e o abracei dizendo “amo você só por você existir, isso é suficiente pra você?”, ele disse que sim e ali ganhei o seu primeiro sorriso sincero. Fui conquistando Roberto pelas “beiradas” e ele foi se abrindo, participando das aulas, das brincadeiras, ele estava tão melhor.

No último dia que o vi, último domingo de março, ele estava estranho, recluso. Subiu numa árvore enorme do pátio da escola e não queria descer. Eu fui até ele e conversamos muito tempo lá em cima. Até que ele foi se desarmando e desceu comigo. Ele só queria chamar atenção, ele só queria ser notado, saber que alguém se preocupava com sua vida.

Quarta-feira, dia 14, foi a última vez que falei com Roberto. Liguei para saber como ele estava e fui surpreendida com um “estou com saudade, tia”. Eu disse que no domingo, hoje, combinaríamos de irmos para o circo, ele e outras crianças que acompanho mais de perto e ele estava entusiasmado.

Roberto não vai mais para o circo, não vai me ajudar mais nas aulas – sim, ele havia sido “promovido” de aluno para ajudante -, nem jogar bola comigo ou participar da corrida de saco. Algo mais grandioso espera por ele. A morte é sempre algo muito complicado de lidar, de uma criança então é mais estranho ainda. Sentirei muitas saudades dele, mas acalenta-me saber que ele se foi para um lugar onde ele poderá ser criança, coisa que ele nunca verdadeiramente teve o direito de ser. Acalenta-me saber que ele hoje desfruta da leveza e da paz que talvez, em vida, nunca tenham lhe dado.

8 comentários:

  1. Minha amiga, talvez para muitos seja difícil entender amar, só pelo simples ato de amar, ou sentir a dor do outro, hoje sinto a sua dor pela partida de Roberto. Agradeço a Deus por você ter entrado na vida dele, e por ele sentir o amor pelo simples ato de amar, sei que Roberto partiu, mas tenho uma única certeza, ele levou muito de você e deixou muito dele contigo, então que Roberto siga feliz para um lar eterno, cheio do amor de Deus e do seu que ele levou junto. Fica na paz, Roberto está em paz!!! Beijo, conta comigo, amiga.

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  2. Amar o fácil é muito fácil... difícil mesmo é amar o difícil! No momento que li, fiquei triste, mas não questionei Deus! Admiro-te pela capacidade que tens de amar incondicionalmente. Meus sentimentos SandY!! Débora

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  3. Dryne,

    fique em paz!

    Sei que a partida de Roberto te remete a milhões de outras coisas, vidas, sonhos e planos interrompidos... e isso machuca muito, mas quando tudo parece perder completamente o sentido, gosto de pensar que há ordem no caos. Isso me conforta, espero que de alguma forma possa te confortar também.

    Pense na vida do Roberto, pense que em alguns casos, infelizmente lidar com a vida é muito mais difícil.

    Fique bem!
    Te amo!

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  4. Mais uma perda necessária na sua vida.
    Só no grande encontro perceberás o porquê de tudo.
    Mas não perca a fé.
    E não esqueça: Quando menos eu mereço ser amado, é quando eu mais preciso.

    Continue com esse trabalho tão bonito.
    Beijim.
    Simoninha.

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  5. Amigas, obrigada. Mesmo! Eu respeito o que sinto, nesse momento a tristeza, mas não tenho vocação para permanecer nela. Duas crianças queridas da Feirinha me ligaram agora a noite só para perguntar se eu estava bem, isso já faz tudo valer a pena para continuar...Beijos

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  6. O amor é algo inexplicável e o amor de Deus ainda mais, a missão dele aqui terminou e o nosso pai o chamou para ser criança mais perto dele. Te amo!

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  7. Filha, continua distribuindo teu amor, por tantos que necessitam de amor.
    Neste ultimos anos teu carinho e teu amor fez diferença na vida de Roberto. Nunca desista de amar.Te amo muito...

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  8. Por mais que tente te visualizar triste não consigo. Não porque não compartilhamos momentos tristes, mas porque sua essência é feliz! Direta ou indiretamente, objetiva ou subjetivamente, é extremamente necessária e presente na luz do mundo.

    Vou ficar aqui com a imagem do seu sorriso.

    Um beijão,

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